segunda-feira, 3 de maio de 2010

Imposto Único e Intervenção do Estado na Economia: ainda em diálogo com Danilo N. Cruz

"Preliminarmente" vai o já conhecido pedido de desculpas pela demora na atualização...

Como já mencionei em posts anteriores, embora meu blog nem sempre seja visitado (inclusive por mim mesmo rsrs!), ele me proporciona excelentes debates, foi assim com o Amauri sobre a relação entre sociedade e deficiência e com o Ruy Fernando sobre Chico Buarque, e agora com o Danilo Cruz sobre aspectos jurídicos e extrajurídicos da tributação.

Retomando a "preliminar", me vejo na obrigação de justificar tanto a demora quando a brevidade desta “tréplica”, é que em virtude da correria acadêmica tive de fazer algumas viagens, geográficas e literárias...

A propósito do debate com o Danilo, coincidentemente reencontrei esses dias um livro que li ainda na graduação e que na época me deixou intrigado, trata-se do livro “A Derrama Contemporânea”, de Flávio Rocha, publicado pela Topbooks em 1992.

Como não vou relê-lo sistematicamente, ao menos por hora, irei discorrer mais com base no que lembro do livro, torcendo para que minha memória não me traia. O livro em questão traz um panorama da tributação brasileira, sempre criticando a complexidade do sistema tributário e defendendo a questão do imposto único.

Além de criticar a complexidade, Flávio Rocha, esteado em Marcos Cintra, apresenta números e argumentos convincentes (para a época) que justificariam a viabilidade de um imposto único incidente em relação a intrincada rede tributária então vigente.

Como é notório, o primeiro obstáculo que se levanta contra as propostas do imposto único é a sua inviabilidade financeira: Ora, que matéria tributável seria suficientemente ampla para proporcionar as divisas necessárias a manutenção do Estado? Quando o livro foi publicado já se havia pensado no imposto alfandegário, num imposto incidente sobre os combustíveis, (etc.) mas sempre se esbarrava na questão da perda de arrecadação.

Se bem lembro, tanto Flávio Rocha quanto Marcos Cintra defendiam que um imposto incidente sobre as transações bancárias seria a resposta ideal. Mais que isso, para a realidade de inícios dos anos noventa Flávio Rocha parece demonstrar uma suposta viabilidade financeira do imposto único; e digo “suposta viabilidade” por duas razões: 1) estou considerando que os números apresentados por ele são verdadeiros, já que não tenho razão para desconfiar deles e 2) que a previsão que ele realiza de que as transações bancárias permaneceriam sendo realizadas normalmente após a reforma do imposto único também se concretizaria.

A propósito do imposto único, aliás, quem achar que é uma ideia que por si só não se sustenta em termos financeiros, deveria ler o livro em questão!

Vou além, penso que seja possível que no mundo exista algum Estado onde, financeiramente falando, a adoção do imposto único seja viável. Pensemos num Estado pequeno, cuja carga tributária seja baixa e no qual haja um grande fluxo de dinheiro nas transações bancárias, neste Estado talvez a adoção de um imposto único incidente sobre as transações bancárias fosse viável, financeiramente falando. Vale dizer, talvez a arrecadação se mantivesse.

Resta, entretanto, um obstáculo ou uma série de obstáculos à adoção do imposto único em qualquer Estado Democrático de Direito moderno: O Estado prescinde de uma estrutura tributária mais ou menos ampla, apta a ser empregada como instrumento de intervenção na economia.

Aqui se inicia o diálogo propriamente dito com o Danilo, a legalidade, que de certa forma se relaciona a própria ideia de uma liberdade que somente aceita ser limitada pela lei, conforme hoje é compreendida implica uma sujeição tanto do particular quanto do Estado a lei, e aqui invariavelmente exsurgem os direitos do contribuinte (notadamente os dotados de status de fundamentalidade e o dever do Estado de realizá-los.

Como é óbvio, para concretizar tais direitos o Estado precisa de dinheiro, é o famoso custo dos direitos (para falar com Stephen Holmes e Cass Sunstein) que ocasiona o dever fundamental de pagar impostos (para falar agora com Casalta Nabais).

Estas ideias, relativas a tributação enquanto financiadora dos direitos (inclusive fundamentais) antes de se tornar teses célebres no exterior já era abordada, em escritos e em palestras, por tributaristas brasileiros como Hugo de Brito Machado e Ives Gandra da Silva Martins.

Ocorre que não é apenas o investimento das divisas provenientes da arrecadação que realiza direitos, por vezes, os simples efeitos da imposição tributária já são capazes de fazê-lo. Lembro que quando li o livro de Flávio Rocha anos atrás, pensei justamente nisso, e correlacionei com algo que havia lido no “Uma Introdução à Política das Finanças do Aliomar Baleeiro” e que agora parafraseio livremente: impostos, como os incidente sobre o comércio exterior, são empregados com efeitos finalísticos (extrafiscalidade) praticamente desde o seu surgimento.

O exemplo dado, com relação ao IPI, além de recente é extremamente oportuno e atesta, na minha opinião, que o Estado precisa de um instrumental tributário capaz de intervir na economia sob pena de, como bem observado pelo Danilo, eventualmente mergulhar numa crise que acabe por desmontá-lo enquanto Estado.

Ainda sobre o exemplo em especial, acho que sereia interessantíssima uma pesquisa de cunho jurídico-sociológico, com base no direito posto, na doutrina e num (digamos) estudo de caso, avaliando especificamente a fuga da crise através do IPI.

Vou além, todos sabemos que o direito tributário brasileiro possui uma tradição formalista muito forte, pois bem, penso eu que uma análise meramente formalista da relação entre direitos do contribuinte e intervenção na economia é inviável! Por mais que o positivismo de cunho formalista tenha proporcionado muitas conquistas ao direito, penso que este é um tema que não pode ser corretamente abordado apenas com base no direito posto, daí a importância da eleição de um método adequado e da abordagem das interconexões mencionadas pelo Danilo.

Eu que me filio a uma linha de estudo mais sociológica, fico feliz em ver que outros piauienses estão dispostos a conferir interdisciplinaridade ao estudo do direito tributário, livrando-o de seu aspecto meramente formal (mais uma vez, nada contra o formalismo, só o considero insuficiente).

Por fim Danilo, sobre o mal-entendido do “até um post mais convincente”, não se incomode com isso! Vendo agora o debate todo, fico feliz que ele tenha acontecido, me levou a um post um pouco mais extenso sobre a Teoria da Imposição Tributária e ao estado atual do presente debate!

Parafraseando livremente Belchior, palavras são navalhas e eu não posso postar como convém, sem querer ferir ninguém. No caso foi um mal-entendido, mas penso que qualquer debate é propenso a ocorrência de divergências, e podem ser valiosíssimas desde que não se permita que elas ponham termo a conversação amigável!

Em suma, espero que possamos manter o diálogo, mais que isso, espero que possamos divergir eventualmente e que tu possas criticar meus argumentos no que eles sejam falhos! De que outra forma eles podem ser aperfeiçoados?

Em tempo, sou natural de Picos! Lamentavelmente não ando tanto lá quanto gostaria, mas tenho muitos parentes e amigos queridos!