Nada obstante goste de autores e músicos internacionais, sempre me deixei aborrecer por essa mania que nós brasileiros temos de não valorizar o que é nosso, e não raro acabo me envolvendo em discussões (sempre amigavelmente, claro) em defesa de algum brasileiro.
No Direito em particular, talvez por ser minha área de formação e o que mais estudo, me incomoda pensar, por exemplo, que nuestros hermanos argentinos certamente valorizam mais Teixeira de Freitas do que nós o fazemos.
Se o sucesso no estudo do Direito, como em qualquer outra ciência, reside no envolvimento consciente com a matéria, estou particularmente convencido que uma das melhores formas de obter tal envolvimento é através do conhecimento dos grandes jurisconsultos do passado. E não se trata apenas de estudar suas imortais lições, mas, indo além, conhecendo aspectos de sua biografia, assim obtemos notáveis exemplos de vida e um novo ânimo para os estudos.
Buscando inspiração estou aqui folheando aqui o meu “Grandes Juristas Brasileiros”, ótimo livro aliás, quando me deparo com a biografia de Pontes de Miranda (escrita por Vilson Rodrigues Alves) e acabei me lembrando das vezes que acabei me envolvendo em defesa do grande jurista alagoano, como por exemplo aqui, em defesa de suas teorias; ou aqui e aqui, em defesa de sua pessoa.
Lembrei também do ótimo texto do Dr. Hugo Segundo sobre “Pontes de Miranda e Einstein”, e aproveitando sua advertência de que, para falar “de um dos maiores juristas brasileiros” é necessário algum critério e cuidado com as informações, o que me motivou a transcrever alguns excertos da bibliografia elaborada por Vilson Rodrigues Alves:
Pontes de Miranda revelou-se profundo estudioso e conhecedor da Física, sobretudo da mecânica quântica.
Estando Einstein no Brasil, Pontes de Miranda fez algumas restrições à Teoria da Relatividade. A imprensa registrou o encontro histórico:
No jantar, Einstein falou sobre música e recomendou ao prof. Henninger o livro de Thiering. Dias antes, o dr. Pontes de Miranda lhe havia endereçado, em alemão, algumas perguntas e objeções, principalmente às teorias de Weyl e Eddington sobre a estrutura do espaço. Uma delas era a seguinte:
“A matéria decide da estrutura ou da existência no espaço?”
Noutros termos:
“Qual é dos dois o dependente, o espaço ou a matéria?”
As perguntas — prosseguiu o texto publicado no jornal à época — ‘foram feitas matemática e filosoficamente. Einstein havia dito que um jurista interessar-se por estas questões sutis era de estranhar. (1)
Naquela oportunidade, apesar de estranhar que um jurista se interessasse por essa temática, Albert Einstein sugeriu a Pontes de Miranda que escrevesse uma tese sobre a representação do espaço, para o Congresso internacional de Filosofia que se daria na Itália, em Nápoles, em 1924.
Ocorre que o Brasil não tinha representação para esse congresso. Atendendo à insistência de Max Planck, Pontes, que acatara a sugestão de Einstein, elaborou seu ensaio em alemão, denominando-o Vorstellung Von Raume. Enviou-a por intermédio do Kaiser-Wilhelm Institut, posteriormente Max Planck Institut.
A tese retocou a teoria geral da relatividade.
Foi aprovada.(2)
Einstein acatou-a como correta e agradeceu a correção.(3)
Extraído de: RUFINO, Almir Gasquez; PENTEADO, Jaques de Camargo. (orgs.) Grandes Juristas Brasileiros. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 273-274, caso alguém tenha acesso a elas, as referências apresentadas pelo autor são:
1. “Einstein parte hoje para Hamburgo”, in A Pátria, 1923.
2. Atti del Congresso Internazionale di Filosofia, Napoli, 1925, PP. 559-66
3. V. Mozar Costa de Oliveira, “Pontes de Miranda, o sábio brasileiro”, A Tribuna, Santos, 1978.
É bom lembrar que o biógrafo, Vilson Rodrigues Alves, é grande admirador de Pontes de Miranda, sendo que, na passagem transcrita, ele me pareceu bem imparcial, postando as fontes e sem enaltecer demasiadamente o biografado.
Certamente Pontes debateu com Einstein quando este esteve no Brasil, mas, diferentemente do que alguns dizem, imagino que o tenha feito de forma respeitosa, como seria de se esperar, aliás, de alguém tão afeito à filosofia franciscana.
Da mesma forma, não é de se estranhar que tenham se correspondido, se àquela época o acesso à ciência era bem mais restrito que hoje, era natural que homens letrados se correspondessem quando houvesse afinidade em suas idéias, como aliás ainda hoje o fazem. E é mesmo possível que Pontes tenha tecido algumas críticas à Teoria da Relatividade, ainda mais considerando que Einstein ainda estava desenvolvendo-a...
Nada de revolucionário, penso eu, nada que levasse Einstein a rever toda a sua Teoria, tal vez, como sugere o texto supratranscrito, mais dúvidas do que propriamente críticas.
Enfim, talvez a genialidade pontesiana seja superestimada em alguns pontos, afinal, poderia um homem teorizar com tanta propriedade e desenvoltura em todas as áreas do conhecimento?
De qualquer forma, estou convencido de que muito do que porventura tenha ficado de negativo sobre Pontes de Miranda é fruto do folclore que se criou em torno de sua pessoa... Em testemunho atribuído a Ovídio Rocha Barros Sandoval, por exemplo, é possível encontrar menção ao fato de que “era delicioso” ouvir o grande jurisconsulto José Frederico Marques “descrever fatos de sua experiência como juiz, advogado e professor, como também sobre as excentricidades pitorescas de Pontes de Miranda” (p.129)
Não estou querendo insinuar nada sobre o ilustre Frederico Marques, a quem também admiro demais, mas convenhamos, se até este grande jurista comentava as “excentricidades pitorescas” do mestre, é porque elas corriam, como se diz, “à boca miúda”.
Sempre parece ter sido comum, aliás, os grandes nomes das letras jurídicas pátrias efetuarem críticas uns aos outros, e não me refiro a comentários de Frederico Marques em momentos de descontração, mas a críticas mais severas como as que supostamente fez Teixeira de Freitas a Clóvis Beviláqua (Cfr. FREITAS NOBRE. Clóvis Beviláqua (Grandes Vultos das Letras Nº 16). São Paulo: Melhoramentos, pp. 32-33), e as que conhecidamente fez Rui ao mesmo Clóvis...
Imaginemos agora as dimensões que alguns dos comentários sobre Pontespodem ter tomado, talvez sendo distorcidos, talvez ganhando notoriedade, enfim... Adicione-se a isto críticas feitas à pessoa de Pontes, algumas infundadas e tecidas por pessoas de renome como Gilberto Freyre... A realidade é que se torna impossível precisar as dimensões que comentários pejorativos sobre a pessoa de Pontes poderiam ter tomado...
De qualquer forma, uma coisa é certa, se a maior parte das lições de Pontes ainda hoje é atual, da mesma forma, nada obstante tudo o que se possa dizer de sua pessoa, sua trajetória de vida ainda é e sempre será exemplo (talvez inigualável) para todos aqueles que pretendem laborar nas letras jurídicas.
De grandes juristas “esquecidos”, aliás, a História Brasileira está cheia, nas arcadas, quem hoje ainda estuda ou se interessa pela vida e obra de Teixeira de Freitas, Tobias, Clóvis, Ruy, Frederico Marques... Isso pra ficar só nos que foram mencionados...
Progressivo arbítrio das normas fiscais
Há 3 meses