quarta-feira, 13 de maio de 2009

O que é ser uma pessoa com deficiência... E, principalmente, como saber o que ela sente?

Em virtude da “réplica ao post” Eficiente e Deficiente... O que é ser uma pessoa com deficiência? publicada pelo amigo Amauri, do blog Ser um Deficiente, senti que lhe devia uma “tréplica” a qual agora escrevo. “Réplica”, “tréplica”, ta parecendo debate político rsrs...

Antes de qualquer coisa tenho que agradecer por ter lido e elogiado meu post, além, claro por ter usado uma frase minha como epígrafe, o que pra mim foi uma dupla honra, por ele ter me citado e por ter me colocado "perto" da Legião Urbana (banda que marcou minha vida). Há contudo alguns pontos que eu devo esclarecer, tanto em relação ao meu post anterior quanto ao post do próprio Amauri.

O primeiro deles é em relação à questão do termo “subalternização”, com o qual entrei em contato através dos meus amigos do Núcleo de Estudos em Teoria Literária na Modernidade - NETLI, dentre eles Danilo Ribeiro que define subalternização como “A subalternização do sujeito é o processo de silenciamento das individualidades a partir de estratégias de dominação que erigem a condição subalternizadora, isto é, os mecanismos de dominação e de poder vigentes no status quo a um patamar de pretensa transcendência”. (RIBEIRO, 2007: 01, grifos do autor). Complementando a lição transcrita, Castor Ruiz aduz que o poder:

"(...) não se centraliza em alguém, mas se dispersa numa rede de mecanismos e técnicas; não pretende coagir pessoas, mas induzir vontades; não tem como objetivo oprimir pessoas, senão governá-los; sua finalidade não é criar súditos nem escravos, mas fabricar subjetividades funcionais." (RUIZ, 2003: 64)


No NETLI os estudos — interessantíssimos, por sinal — se direcionavam à questão da subalternização relativa a questões de gênero e raciais, estudando-a conforme representada em obras literárias e traçando interessante paralelo com outras ciências, como sociologia, direito e, claro, com a própria realidade.

No pouco tempo em que estive estudando com o pessoal do NETLI logo vi que o conceito de subalternização se encaixava perfeitamente com os estudos que eu já desenvolvia em relação à pessoa com deficiência física, em tom provocador eu cheguei a dizer algumas vezes que a subalternização enfrentada pelas pessoas com deficiência era pior do que a enfrentada por quaisquer outros grupos, isto porque tais pessoas, além de serem postas na condição de subalterno pela ordem vigente, muitas vezes também o são por suas próprias famílias, fato que o Amauri também aborda em seus textos com muita clareza e propriedade.

Sobre a questão da denominação, eu uso pessoas com deficiência em oposição ao termo mais usual e politicamente correto — e que tá na Constituição Federal, inclusive — pessoas portadoras de deficiência, porque entendo que ninguém porta uma deficiência, como ninguém porta uma condição de gênero ou cor... Ninguém porta olhos azuis, cabelos loiros ou fisionomia oriental... Estas são características que as pessoas têm! Eu, por exemplo, não porto meus cabelos pretos (ok, tem um monte de cabelo branco misturado), meus olhos castanhos e minha “cor de caixa de papelão”, eu as tenho, são características minhas!

O que faz com que determinadas características sejam deficiência é uma mera construção social, construção esta que estou convencido encontra-se ligada à aptidão das pessoas para desempenhar determinadas as tarefas tidas como desejáveis pela sociedade, o meio social tende a considerar com deficiência, portanto, a pessoa que julga incapaz para contribuir positivamente.
Em paralelo às pessoas com deficiência temos as pessoas com eficiência, e eu uso o termo “eficiente” em oposição a “deficiente” porque não suporto os paralelos tradicionais que opõem deficiente a “sadio” ou “normal”, como se a deficiência fosse uma doença ou uma anormalidade, não, ela não é! É apenas uma construção social.
Como também foi uma construção social o “apartheid” realizado na África do Sul, eu também achei adequado a forma como o termo foi usada para descrever a “vida em separado” das pessoas com deficiência. Os textos de Amauri constituem um relato claro de tal separação, e mais que isso, fazem com que tenhamos uma idéia (ainda que não possamos sentir) do que ela provoca.

Há, contudo, uma frase do texto de Amauri que acredito que deve ser esclarecida, quando ele diz:

“Não preciso dizer mais nada, como disse no e-mail, não precisamos de discursinhos hipócritas e sim entrar na luta da pessoa com deficiência para valer seja com a dor, ou seja, com o amor.” (SANCHES JUNIOR, 2009)


Esta frase me fez refletir, num primeiro momento porque quem lesse apressadamente poderia pensar que esta frase se dirigia a mim, poderia pensar que eu e Amauri tivemos um desentendimento via e-mail, o que seria um engano, já que ele foi extremamente educado comigo. Num segundo momento imaginei que embora a frase em questão não fosse dirigida a mim (mas a outro amigo que Amauri se refere no post) talvez ela devesse se dirigir!

Quer dizer, Maria Aparecida Gugel em texto sobre “A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade” nos lembra que na Grécia e Roma antigas há relatos de abandono de crianças com deficiência, na Idade Média a deficiência era encarado como castigo divino, dentre as atrocidades da Segunda Guerra Mundial estima-se que 400 mil pessoas suspeitas de terem hereditariedade de cegueira, surdez e deficiência mental foram esterilizadas em nome da política da raça ariana pura...

Em suma, tais pessoas vêm sendo alvo de um longo processo de suba
lternização, e só quem efetivamente é uma pessoa com deficiência sabe o que é tal realidade. Nesta perspectiva, ao falar esta construção social que é a deficiência, eu que (por exemplo) nunca me vi impedido de ir a um determinado lugar pela falta de uma rampa, será que não estou sendo hipócrita?

Como eu costumo dizer, todos temos características que desejamos manter ocultas das outras pessoas, pra isso o direito protege nossa “intimidade”, incluindo aí desde nossas características realmente íntimas até nossas falhas de caráter que não queremos que os outros vejam... A questão no final das contas é que algumas pessoas não conseguem esconder determinadas características suas e, por conta disso, eventualmente podem ser estigmatizadas socialmente, e só quem passa por esse processo é que sabe o que ele representa!

Este seria o momento para o leitor desavisado pensar em como nossa sociedade construiu o conceito de deficiência, na situação das pessoas que têm algum tipo de deficiência que não podem esconder, e quem sabe até sentir aquela terrível sentimento que começa com “P”... Detalhe interessante é que as pessoas com deficiência nunca precisaram da palavra com “P”, mas de uma que começa com “O”...
Não se trata de pena, mas de oportunidade! Isso é o que todos os subalternizados precisam afinal!
É isso, relendo agora vejo que fugi bastante do propósito do post, que era agradecer o Amauri, mas acho que ainda assim vale a leitura e reflexão!

Referências:

GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade. In Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência – AMPID. Disponível em http://www.ampid.org.br/Artigos/PD_Historia.php Acesso em 13/05/2009.

RIBEIRO, Danilo Ferreira . A mãe é caolha, mas a justiça não é cega: uma abordagem literária e jurídica da subalternização de gênero a partir de A caolha, de Júlia Lopes Almeida. In: I Seminário Nacional de Gênero e Prática Culturais: desafios históricos e saberes interdisciplinares, 2007, João Pessoa-PB.

RUIZ, Castor M. M. Bartolomé. Poder e transcendência. In: PIRES, Cecília (org.). Vozes silenciadas: ensaios de ética e filosofia política. Ijuí: Ed. Unijui, 2003.

SANCHES JUNIOR, Amauri N. O que é ser uma pessoa com deficiência? In Ser um Deficiente. Disponível em http://serumdeficiente.blogspot.com/2009/05/o-que-e-ser-uma-pessoa-com-deficiencia.html Acesso em 13/05/2009.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Lei de Gérson e Pós-Graduação

Ainda sobre a temática dos Mestrados e Doutorados no exterior (notadamente no Mercosul), freqüentes são as associações entre quem escolhe fazer uma pós dessas e a Lei de Gérson.

Curioso, resolvi me pesquisar mais um pouco sobre a Lei de Gérson, a qual surgiu do comercial de cigarros estrelado pelo meio-campista de mesmo nome, até então Gérson era conhecido como uma das maiores estrelas do tricampeonato brasileiro em 1970. Deve ter recebido uma boa proposta pra fazer o dito comercial e acabou fazendo...

Segundo a Wikipedia:
“Segue a Lei de Gérson a pessoa que "gosta de levar vantagem em tudo", no sentido negativo de se aproveitar de todas as situações em benefício próprio, sem se importar com questões éticas ou morais. A expressão originou-se em uma propaganda, de 1976, para os cigarros Vila Rica, na qual o meia armador Gérson da Seleção Brasileira de Futebol era o protagonista.
A propaganda dizia que esta marca de cigarro era vantajosa por ser melhor e mais barata que as outras, e Gérson dizia no final:
«Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também.»
(Gérson)
Mais tarde, o jogador anunciou o arrependimento de ter associado sua imagem ao reclame, visto que qualquer comportamento pouco ético foi sendo aliado ao seu nome nas expressões Síndrome de Gérson ou Lei de Gérson.”


Eis o referido comercial:



Em matéria do terra/Isto É, consta que a propaganda não teve uma interpretação pejorativa na época, mas depois virou lei, sendo que no mesmo site há a seguinte citação da historiadora Maria Izilda Matos: "A lei de Gerson funcionou como mais um elemento na definição da identidade nacional e o símbolo mais explícito da nossa ética ou falta de ética".

Já segundo o site da Super Interessante, “A lei de Gérson pegou. Sociólogos, antropólogos e a nata da intelectualidade brasileira já gastaram horas e mais horas, tinta e mais tinta, neurônios e mais neurônios para condenar nossa brasileira condição gersoniana.”

Pelo jeito, parece que não foi só nas pesquisas sobre a Lei não, muitos a estão pondo em prática quando pretendem adentrar no stricto sensu... Supostamente porque no Mersosul “seria mais fácil” entrar no Doutorado...

O que muita gente parece não perceber é que a Lei de Gérson levada ao extremo conduz a resultados catastróficos. Imaginemos uma cidade utópica onde todas as pessoas usam o transporte público o qual também é “ecologicamente correto”. Imaginemos agora que um indivíduo toma conhecimento da Lei de Gérson e compra um carro, ele está levando vantagem sobre todos os demais que continuam no transporte coletivo. Agora suponhamos que o exemplo deste indivíduo é seguido por todos os demais, qual seria o resultado? O Transporte público abandonado, as ruas congestionadas e o ar poluído com tantos carros, moral da história de uma forma bem simples: todos queriam levar vantagem e todos acabaram se lascando!

O exemplo pode parecer meio bobo, mas corresponde a mais inteira realidade! Se todas as pessoas adotassem a filosofia gersoniana a convivência humana se tornaria insuportável!

No caso dos diplomas do Mercosul, parece que muitas pessoas já estão tendo problemas sérios em revalidar seus diplomas e/ou não conseguem trabalho aqui em virtude do descrédito das instituições em que se pós-graduaram.

Não estou dizendo que todo diploma do Mercosul é sem valor, de forma alguma, em outra ocasião, neste blog, eu mesmo disse que tenho vontade de estudar no exterior... Além do que, é claro que existem muitas razões para se estudar numa boa Universidade no Mercosul...

Agora se o seu único interesse é aplicar a Lei de Gérson e “levar vantagem”, é melhor pensar bem, ou você pode acabar como um célebre meio-campista que foi estrela do tricampeonato brasileiro em 1970 e hoje, lamentavelmente, é freqüentemente lembrado e referido de forma pejorativa, tudo por causa de uma escolha infeliz...

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Eficiente e Deficiente... O que é ser uma pessoa com deficiência?

Não sei bem ao certo como fui parar lá, mas acabei visitando o — ótimo, por sinal — blog de Amauri N. Sanches Junior intitulado “Ser um Deficiente” e fiquei refletindo acerca do processo de subalternização — acho que o termo adequado é exatamente este — a que estão submetidas as pessoas com deficiência física... Subalternização enquanto sua redução à condição de indivíduos subalternos, enquanto processo de silenciamento das suas individualidades por parte de uma sociedade altamente imperfeita...

Claro que este não é o caso do Amauri, não que eu o conheça, mas pelo que li no blog tive a impressão de que ele é uma pessoa admirável e bem sucedida!

Em todo o caso, fico pensando no sem número de pessoas incríveis que não têm acesso a uma vida digna, apenas em virtude da deficiência da nossa sociedade em fornecer-lhes meios para tal.

Sobre as pessoas com deficiência física, em particular, quer me parecer que boa parte desta subalternização decorre de uma concepção errada e estúpida, de certa forma cultuada em nossa sociedade, de que tais pessoas não seriam capazes de contribuir de forma eficiente nas tarefas geralmente entendidas como necessárias, desejáveis ou simplesmente toleradas pelo grupo social.

Ora, isto é errado e estúpido! primeiro porque a própria idéia de deficiência é uma mera construção social! Num planeta com seis bilhões de pessoas em que inexistem duas sequer que sejam rigorosamente iguais em todos os aspectos, que critério seria seguro para definir o que seria deficiência? Ademais, incontáveis são os casos de pessoas com deficiência que contribuíram e contribuem de forma altamente positiva para a sociedade! O número só não é maior do que o daqueles que são socialmente considerados eficientes —leia-se não-deficiente — mas que levam uma vida absolutamente inútil. "Pessoas fracas" que — como diria Cazuza — "estão no mundo e perderam a viagem".

O que vou dizer talvez ofenda alguns, mas, parafraseando Belchior, palavras são navalhas e eu não posso falar como convém, sem querer ferir ninguém... Enfim, quanto mais reflito sobre a condição humana, concluo que apesar de muitos considerarem "falsa" a "idéia" de que todas as pessoas possuem alguma deficiência, quanto mais conheço e convivo com as pessoas, me convenço de que todos, sem exceção, possuímos alguma deficiência! Alguns apenas têm mais facilidades em esconder suas próprias deficiências ou, pior que isso, têm suas próprias deficiências "aceitas" pela sociedade!

Não o conheço além dos posts que li no seu blog, mas posso dizer que tanto é difícil traduzir o que é ser uma pessoa com deficiência meu caro Amauri, como é fácil perceber que você é uma pessoa eficiente!



Acho que já passa da hora de reformularmos o conceito de deficiência, não para caracterizar determinadas características das pessoas, mas, para classificar suas posturas perante a vida!