terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A AUTONOMIA DE QUALQUER RAMO DO DIREITO É PROBLEMA FALSO

Estava lendo um tópico sobre a concepção supostamente pontesiana de “direito poliédrico” — expressão que até me é familiar, embora não lembre onde a li ou ouvi antes — foi quando lembrei que desde o post inaugural de Vicente Ráo, eu havia ficado devendo outro, sobre Alfredo Augusto Becker.

Pra quem não sabe, Becker foi um grande jurista e poeta gaúcho, que provocou (ao meu ver) uma verdadeira revolução nas letras jurídicas pátrias com a sua Teoria Geral do Direito Tributário, basta que pensar que, seja concordando ou discordando, nenhum autor contemporâneo parece ser capaz de escrever um manual abordando o Direito Tributário de forma ampla sem incluir Becker em sua bibliografia.
O livro de Becker é daqueles que a gente se envolve com a leitura e eventualmente se flagra sorrindo e concordando com suas lições, mais que isso, no meu caso particular, me dá a impressão de que a boa doutrina jamais desatualiza por completo.
Acho que já deu pra perceber que eu admiro a obra de Becker, não é? Mas enfim, passando ao tema título do post, a Teoria Geral do Direito Tributário consagra toda uma subseção de sua introdução a demonstrar que “a autonomia de qualquer ramo do direito é problema falso”:

“A autonomia do Direito Tributário é um problema falso” diz Becker, “e falsa é a autonomia de qualquer outro ramo do direito positivo.
O vocábulo ‘autonomia’ não é próprio do mundo jurídico. O jurista moderno usa e abusa da palavra ‘autonomia’, empregando-a nos significados mais disparatados, de modo que ela se converteu numa expressão equívoca e perturbadora, sugerindo zonas apartadas e inacessíveis à Teoria Geral do Direito e atribuindo virtualidades ‘misteriosas’ àquilo que é considerado ‘autônomo’.
Muitos estudiosos do Direito Tributário utilizam a palavra ‘autonomia’ como fundamento e explicação óbvia de toda eu qualquer doutrina tributária pseudo-jurídica; e assim fazendo, propagam a demência tributária e cometem, com catedrática gravidade, erros jurídicos de um empirismo larvar.
(...)
O verdadeiro e genuíno significado da expressão ‘autonomia’ é o Poder (capacidade de agir) e o Ser Social impor uma disciplina aos indivíduos (que o estão, continuamente, criando) e a si próprio numa autolimitação. (...)
Pela simples razão de não poder existir regra jurídica independente da totalidade do sistema jurídico, a ‘autonomia’ (no sentido de independência relativa) do direito positivo é sempre e unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado número de regras jurídicas, descobrir a concatenação lógica que as reúne num grupo orgânico e que une este grupo à totalidade do sistema jurídico.” (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 27-32)

Embora tenha entrecortado omitido muitos trechos valiosos, acredito que mantive (embora resumido) o sentido da lição original...
Nada obstante ainda não lembre onde me dei conta da expressão “direito poliédrico” pela primeira vez, me parece que a lição de Becker (neste ponto como em outros tantos) é plenamente compatível com a de Pontes de Miranda, ainda mais considerando como este via o direito como um processo de adaptação social, bem como suas lições sobre a regra jurídica e sua incidência.
Deixo por fim, alguns questionamentos...
Será que a excessiva ramificação do Direito (notadamente por sugerir “zonas apartadas e inacessíveis à Teoria Geral do Direito”) não tende a deturpar determinados institutos, tornando-nos, por vezes, em conceitos contraditórios?
Aonde conduz à excessiva, especialização e subespecialização, ramificação da árvore jurídica? Será que ela não acaba por esvaziar determinados ramos que, em virtude de sua natureza, carecem de princípios unificados e unificadores?
Que seria feito do Direito Penal se dele extraíssemos todas as subdivisões possíveis (conferíssemos 'autonomia' além da didática ao Direito Penal Tributário, ao Direito Penal Administrativo, ao Direito Penal Ambiental, etc.)? O que sobraria senão aqueles princípios norteadores do Direito Penal em si? E, eventualmente, referida subdivisão não acabaria atrapalhando o emprego destes princípios tanto em sua programaticidade, como enquanto cânones hermenêuticos, e, principalmente, como as normas jurídicas que são?

3 comentários:

  1. Digníssimo Colega,

    Hoje, estou mais curioso em conhecer as poesias do Alfredo Augusto Becker, pois como ele tb já penso no Dir. Tributário como passatempo pra sobreviver, como ele fazia, interessando-se por coisas além das aparências...

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Disse o autor do "blog", logo acima: "— expressão que até me é familiar, embora não lembre onde a li ou ouvi antes —"... então resolvi escrever-lhe pq vi a mesma expressão, onde talvez o auxilie a recordar... vi a expressão na introdução a obra do tributarista italiano EZIO VANONI, "Natureza e Interpretação das Leis Tributárias", sob tradução pátria do inigualável Mestre, Dr. Rubens Gomes de Sousa, do original italiano (em 2 volumes) publicado em Pádua, 1932, e traduzido p/ o português em 1954, pela Edições Financeiras S.A.

    Logo na segunda página - VI (6)- na Introdução, diz o autor, EZIO VANONI:
    "Embora me propuzesse estudar um assunto tìpicamente jurídico, qual seja o da natureza e da interpretação das leis tributárias, tomei como ponto de partida a premissa de que uma representação completa do fenômeno financeiro sòmente é possível quando se ponham em evidência os característicos econômicos, jurídicos, sociais, que se apresentam como as diferentes faces de um poliedro, cada uma delas em função das outras, e que tôdas devem ser descritas para que se possa ter uma idéia do conjunto. O leitor benévolo julgará até que ponto as minhas fôrças me tenham permitido conservar-me fiel a êste ensinamento da mais moderna escola financeira italiana: é certo, entretanto, que aquelê é o caminho que leva aos mais seguros resultados no estudo dos fenômenos que nos interessam."

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