domingo, 28 de dezembro de 2008

O que é direito na história... Pontes de Miranda e Einstein

Nada obstante goste de autores e músicos internacionais, sempre me deixei aborrecer por essa mania que nós brasileiros temos de não valorizar o que é nosso, e não raro acabo me envolvendo em discussões (sempre amigavelmente, claro) em defesa de algum brasileiro.
No Direito em particular, talvez por ser minha área de formação e o que mais estudo, me incomoda pensar, por exemplo, que nuestros hermanos argentinos certamente valorizam mais Teixeira de Freitas do que nós o fazemos.
Se o sucesso no estudo do Direito, como em qualquer outra ciência, reside no envolvimento consciente com a matéria, estou particularmente convencido que uma das melhores formas de obter tal envolvimento é através do conhecimento dos grandes jurisconsultos do passado. E não se trata apenas de estudar suas imortais lições, mas, indo além, conhecendo aspectos de sua biografia, assim obtemos notáveis exemplos de vida e um novo ânimo para os estudos.
Buscando inspiração estou aqui folheando aqui o meu “Grandes Juristas Brasileiros”, ótimo livro aliás, quando me deparo com a biografia de Pontes de Miranda (escrita por Vilson Rodrigues Alves) e acabei me lembrando das vezes que acabei me envolvendo em defesa do grande jurista alagoano, como por exemplo aqui, em defesa de suas teorias; ou aqui e aqui, em defesa de sua pessoa.
Lembrei também do ótimo texto do Dr. Hugo Segundo sobre “Pontes de Miranda e Einstein”, e aproveitando sua advertência de que, para falar “de um dos maiores juristas brasileiros” é necessário algum critério e cuidado com as informações, o que me motivou a transcrever alguns excertos da bibliografia elaborada por Vilson Rodrigues Alves:



Pontes de Miranda revelou-se profundo estudioso e conhecedor da Física, sobretudo da mecânica quântica.
Estando Einstein no Brasil, Pontes de Miranda fez algumas restrições à Teoria da Relatividade. A imprensa registrou o encontro histórico:
No jantar, Einstein falou sobre música e recomendou ao prof. Henninger o livro de Thiering. Dias antes, o dr. Pontes de Miranda lhe havia endereçado, em alemão, algumas perguntas e objeções, principalmente às teorias de Weyl e Eddington sobre a estrutura do espaço. Uma delas era a seguinte:
A matéria decide da estrutura ou da existência no espaço?
Noutros termos:
Qual é dos dois o dependente, o espaço ou a matéria?
As perguntas — prosseguiu o texto publicado no jornal à época — ‘foram feitas matemática e filosoficamente. Einstein havia dito que um jurista interessar-se por estas questões sutis era de estranhar. (1)
Naquela oportunidade, apesar de estranhar que um jurista se interessasse por essa temática, Albert Einstein sugeriu a Pontes de Miranda que escrevesse uma tese sobre a representação do espaço, para o Congresso internacional de Filosofia que se daria na Itália, em Nápoles, em 1924.
Ocorre que o Brasil não tinha representação para esse congresso. Atendendo à insistência de Max Planck, Pontes, que acatara a sugestão de Einstein, elaborou seu ensaio em alemão, denominando-o Vorstellung Von Raume. Enviou-a por intermédio do Kaiser-Wilhelm Institut, posteriormente Max Planck Institut.
A tese retocou a teoria geral da relatividade.
Foi aprovada.(2)
Einstein acatou-a como correta e agradeceu a correção.(3)


Extraído de: RUFINO, Almir Gasquez; PENTEADO, Jaques de Camargo. (orgs.) Grandes Juristas Brasileiros. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 273-274, caso alguém tenha acesso a elas, as referências apresentadas pelo autor são:

1. “Einstein parte hoje para Hamburgo”, in A Pátria, 1923.
2. Atti del Congresso Internazionale di Filosofia, Napoli, 1925, PP. 559-66
3. V. Mozar Costa de Oliveira, “Pontes de Miranda, o sábio brasileiro”, A Tribuna, Santos, 1978.


É bom lembrar que o biógrafo, Vilson Rodrigues Alves, é grande admirador de Pontes de Miranda, sendo que, na passagem transcrita, ele me pareceu bem imparcial, postando as fontes e sem enaltecer demasiadamente o biografado.
Certamente Pontes debateu com Einstein quando este esteve no Brasil, mas, diferentemente do que alguns dizem, imagino que o tenha feito de forma respeitosa, como seria de se esperar, aliás, de alguém tão afeito à filosofia franciscana.
Da mesma forma, não é de se estranhar que tenham se correspondido, se àquela época o acesso à ciência era bem mais restrito que hoje, era natural que homens letrados se correspondessem quando houvesse afinidade em suas idéias, como aliás ainda hoje o fazem. E é mesmo possível que Pontes tenha tecido algumas críticas à Teoria da Relatividade, ainda mais considerando que Einstein ainda estava desenvolvendo-a...
Nada de revolucionário, penso eu, nada que levasse Einstein a rever toda a sua Teoria, tal vez, como sugere o texto supratranscrito, mais dúvidas do que propriamente críticas.
Enfim, talvez a genialidade pontesiana seja superestimada em alguns pontos, afinal, poderia um homem teorizar com tanta propriedade e desenvoltura em todas as áreas do conhecimento?
De qualquer forma, estou convencido de que muito do que porventura tenha ficado de negativo sobre Pontes de Miranda é fruto do folclore que se criou em torno de sua pessoa... Em testemunho atribuído a Ovídio Rocha Barros Sandoval, por exemplo, é possível encontrar menção ao fato de que “era delicioso” ouvir o grande jurisconsulto José Frederico Marques “descrever fatos de sua experiência como juiz, advogado e professor, como também sobre as excentricidades pitorescas de Pontes de Miranda” (p.129)
Não estou querendo insinuar nada sobre o ilustre Frederico Marques, a quem também admiro demais, mas convenhamos, se até este grande jurista comentava as “excentricidades pitorescas” do mestre, é porque elas corriam, como se diz, “à boca miúda”.
Sempre parece ter sido comum, aliás, os grandes nomes das letras jurídicas pátrias efetuarem críticas uns aos outros, e não me refiro a comentários de Frederico Marques em momentos de descontração, mas a críticas mais severas como as que supostamente fez Teixeira de Freitas a Clóvis Beviláqua (Cfr. FREITAS NOBRE. Clóvis Beviláqua (Grandes Vultos das Letras Nº 16). São Paulo: Melhoramentos, pp. 32-33), e as que conhecidamente fez Rui ao mesmo Clóvis...
Imaginemos agora as dimensões que alguns dos comentários sobre Pontespodem ter tomado, talvez sendo distorcidos, talvez ganhando notoriedade, enfim... Adicione-se a isto críticas feitas à pessoa de Pontes, algumas infundadas e tecidas por pessoas de renome como Gilberto Freyre... A realidade é que se torna impossível precisar as dimensões que comentários pejorativos sobre a pessoa de Pontes poderiam ter tomado...

De qualquer forma, uma coisa é certa, se a maior parte das lições de Pontes ainda hoje é atual, da mesma forma, nada obstante tudo o que se possa dizer de sua pessoa, sua trajetória de vida ainda é e sempre será exemplo (talvez inigualável) para todos aqueles que pretendem laborar nas letras jurídicas.

De grandes juristas “esquecidos”, aliás, a História Brasileira está cheia, nas arcadas, quem hoje ainda estuda ou se interessa pela vida e obra de Teixeira de Freitas, Tobias, Clóvis, Ruy, Frederico Marques... Isso pra ficar só nos que foram mencionados...

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A AUTONOMIA DE QUALQUER RAMO DO DIREITO É PROBLEMA FALSO

Estava lendo um tópico sobre a concepção supostamente pontesiana de “direito poliédrico” — expressão que até me é familiar, embora não lembre onde a li ou ouvi antes — foi quando lembrei que desde o post inaugural de Vicente Ráo, eu havia ficado devendo outro, sobre Alfredo Augusto Becker.

Pra quem não sabe, Becker foi um grande jurista e poeta gaúcho, que provocou (ao meu ver) uma verdadeira revolução nas letras jurídicas pátrias com a sua Teoria Geral do Direito Tributário, basta que pensar que, seja concordando ou discordando, nenhum autor contemporâneo parece ser capaz de escrever um manual abordando o Direito Tributário de forma ampla sem incluir Becker em sua bibliografia.
O livro de Becker é daqueles que a gente se envolve com a leitura e eventualmente se flagra sorrindo e concordando com suas lições, mais que isso, no meu caso particular, me dá a impressão de que a boa doutrina jamais desatualiza por completo.
Acho que já deu pra perceber que eu admiro a obra de Becker, não é? Mas enfim, passando ao tema título do post, a Teoria Geral do Direito Tributário consagra toda uma subseção de sua introdução a demonstrar que “a autonomia de qualquer ramo do direito é problema falso”:

“A autonomia do Direito Tributário é um problema falso” diz Becker, “e falsa é a autonomia de qualquer outro ramo do direito positivo.
O vocábulo ‘autonomia’ não é próprio do mundo jurídico. O jurista moderno usa e abusa da palavra ‘autonomia’, empregando-a nos significados mais disparatados, de modo que ela se converteu numa expressão equívoca e perturbadora, sugerindo zonas apartadas e inacessíveis à Teoria Geral do Direito e atribuindo virtualidades ‘misteriosas’ àquilo que é considerado ‘autônomo’.
Muitos estudiosos do Direito Tributário utilizam a palavra ‘autonomia’ como fundamento e explicação óbvia de toda eu qualquer doutrina tributária pseudo-jurídica; e assim fazendo, propagam a demência tributária e cometem, com catedrática gravidade, erros jurídicos de um empirismo larvar.
(...)
O verdadeiro e genuíno significado da expressão ‘autonomia’ é o Poder (capacidade de agir) e o Ser Social impor uma disciplina aos indivíduos (que o estão, continuamente, criando) e a si próprio numa autolimitação. (...)
Pela simples razão de não poder existir regra jurídica independente da totalidade do sistema jurídico, a ‘autonomia’ (no sentido de independência relativa) do direito positivo é sempre e unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado número de regras jurídicas, descobrir a concatenação lógica que as reúne num grupo orgânico e que une este grupo à totalidade do sistema jurídico.” (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 27-32)

Embora tenha entrecortado omitido muitos trechos valiosos, acredito que mantive (embora resumido) o sentido da lição original...
Nada obstante ainda não lembre onde me dei conta da expressão “direito poliédrico” pela primeira vez, me parece que a lição de Becker (neste ponto como em outros tantos) é plenamente compatível com a de Pontes de Miranda, ainda mais considerando como este via o direito como um processo de adaptação social, bem como suas lições sobre a regra jurídica e sua incidência.
Deixo por fim, alguns questionamentos...
Será que a excessiva ramificação do Direito (notadamente por sugerir “zonas apartadas e inacessíveis à Teoria Geral do Direito”) não tende a deturpar determinados institutos, tornando-nos, por vezes, em conceitos contraditórios?
Aonde conduz à excessiva, especialização e subespecialização, ramificação da árvore jurídica? Será que ela não acaba por esvaziar determinados ramos que, em virtude de sua natureza, carecem de princípios unificados e unificadores?
Que seria feito do Direito Penal se dele extraíssemos todas as subdivisões possíveis (conferíssemos 'autonomia' além da didática ao Direito Penal Tributário, ao Direito Penal Administrativo, ao Direito Penal Ambiental, etc.)? O que sobraria senão aqueles princípios norteadores do Direito Penal em si? E, eventualmente, referida subdivisão não acabaria atrapalhando o emprego destes princípios tanto em sua programaticidade, como enquanto cânones hermenêuticos, e, principalmente, como as normas jurídicas que são?

domingo, 21 de dezembro de 2008

Crítica às muitas "ramificações" do Direito...

Esta postagem originalmente estava na Comunidade em homenagem ao Prof. Vicente Ráo, a qual administro, falando nisso, quem quiser acessá-la e participar, será bem vindo, basta clicar aqui.



Como já passava do tempo de postar algo neste blog, reproduzo-a aqui, com a certeza de começar "com o pé direito", transcrevendo as lições de um dos grandes jurisconsultos que este país viu nascer.

Dizia eu no Orkut que é impressionante como doutrinadores de renome defendem, arduamente, a autonomia dos ramos do Direito em que militam... Muitas vezes sem querer questionar propriamente se isto é necessário e se é bom ou ruim...

De minha parte, tenho notado que algumas vezes esta "ramificação" do Direito parece conduzir à eleição de conceitos apartados da Teoria Geral do Direito e demais "ramos". Conceitos estes que acabam servindo como cânones interpretativos, por vezes, chegando a dar origem a normas (algumas de constitucionalidade duvidosa), as quais parecem pretender submeter o indivíduo, contrariando a célebre máxima atribuída a Vicente Ráo no sentido de que "O Direito Existe para o Homem e não o Homem para o Direito"...

Sobre as especializações do Direito, aliás, recentemente reli a valiosa lição deste saudoso mestre:
“...as disciplinas jurídicas, cedendo à pressão das vicissitudes contemporâneas da vida social, se dividem e subdividem em um número sempre crescente de ramos e sub ramos, os quais, por sua vez, padecendo de gigantismo, tendem a se construir em disciplinas autônomas e distintas.
E assim assistimos a uma marcha acelerada, muitas vezes sem compasso nem ritmo, em busca de especializações e subespecializações, que poderiam ser úteis se ordenadas e ligadas aos princípios gerais, sem quebra da unidade substancial e conceitual do Direito.
No entanto, guiada, apenas, por um objetivismo inexpressivo e intransigente, revestindo, intencionalmente, ostensivamente e exclusivamente, um caráter técnico, essa tendência despreza, a par dos postulados ideológicos do Direito, até mesmo os elementos intelectuais, morais e espirituais, que integram a personalidade humana.
No tumulto dessas especializações e desses tecnicismos, o homem, que se dizia ser uma criatura dotada de corpo e alma, não passa de uma unidade matemática, simples material de construção das novas estruturas, freqüentemente sustentadas pelas colunas de algarismos que certas estatísticas mais ou menos científicas fabricam.” (RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 43-44)

Estas palavras, aliás, me fazem lembrar as lições de outro ilustre jurista, as quais transcreverei em breve...